Sonhar, Caminhar e Refletir. Um casal no caminho de Santiago.

Eu tive o prazer de conhecer Marcio Samia num evento e alguns meses depois tomamos um café, pois temos a mesma sintonia de viver a vida com intensidade e ajudar o próximo, tanto que ele e a esposa são voluntários do projeto de Mentoring Social que coordeno.

O Marcio é um privilegiado, pois casou com a Natalia, uma doce garota, que partilha os mesmo sonhos e aventuras dele. Infelizmente muitos casais que se amam muito, têm sonhos e ideais diferentes e isto dificulta o desfrutar dos sonhos juntos, mas não é impeditivo, pois cada um pode apoiar o sonho do outro.

Mas voltando ao Marcio e a Natalia, um casal cheio de sonhos para serem realizados, eles têm histórias lindas vividas no famoso caminho de Santiago de Compostela, tanto que o Marcio está escrevendo um livro a respeito.

Eu pedi uma entrevista para Marcio e Natalia sobre as experiências vividas ao longo do caminho, pois pode ser fonte de inspiração para muitos viverem esta aventura que com certeza mudarão a forma de ver esta vida.

Leiam até o final. Tenho certeza que vão querer viver esta experiência de vida.

Segue a entrevista com Marcio e Natalia:

1 – O que os levou a fazer o caminho de Santiago na primeira vez?

Marcio – Em 2013 tive um problema particular. Como sempre gostei de fazer viagens de aventura, pois sentia que aquilo me fazia bem, que fazia eu me conectar mais comigo mesmo, decidi que talvez fosse a hora de conhecer o Caminho de Santiago. Uma viagem mágica que tinha ouvido falar um ano antes, quando fui a Machu Picchu. Achei estranho, no início, a ideia de andar quase 800 quilômetros, mas eu estava incomodando tanto meus amigos e meus familiares que resolvi, para o bem geral das pessoas ao me redor e para meu próprio bem, que deveria me retirar. Que lugar melhor do que outro continente, sem celular e andando sem parar?

Nessa minha primeira viagem, a Natalia não foi comigo. Ela entendeu e respeitou meu momento – na verdade acho que ela preferiu o SPA (risos). E acabei indo sem me preparar adequadamente. O resultado foi uma forte tendinite e um conhecimento sobre meus limites na prática.

Em 2015, foi quando decidimos fazer o Caminho juntos, foi maravilhoso!!!

Natalia – A primeira vez que ouvi falar sobre o Caminho de Santiago foi em 2008 através do meu pai. Ele me convidou para fazermos o Caminho juntos, mas achei loucura, principalmente porque ele estava muito doente. Depois disso, em 2013 o Marcio resolveu fazer o Caminho e eu não pensei em ir com ele, mas o incentivei. Preferi fazer outra viagem e até curti os 10 dias de SPA (risos!).

Já em 2015 a decisão em fazer o Caminho foi muito natural, o Marcio simplesmente ficou obstinado em realizar a caminhada de 800 km por completo e me senti segura em ir depois de ouvir suas histórias e foi a melhor escolha que eu poderia ter feito. Foi simplesmente SENSACIONAL!

2 – O que vocês sentiram ao longo do caminho?

Marcio – Apesar da falta de preparo, eu nunca tinha tirado tanto tempo para ficar comigo mesmo. Foi uma experiência difícil, mas extremamente importante para que eu pudesse encontrar as respostas que procurava. A surpresa é que as respostas estavam ali, dentro de mim mesmo, eu é que não queria encarar algumas coisas assim tão de perto.

Não consegui percorrer todo o trajeto em 2013. Acreditei demais em todo mundo que dizia que eu não ia conseguir. Não é que as pessoas me queriam mal. Só estavam preocupadas comigo, pois eu estava triste e vulnerável. Acabou que andei menos de 300 quilômetros dos quase 800 planejados.

Em 2015 foi diferente. Com a autoestima e a confiança recuperada, tracei metas e me dediquei dia após dia em batê-las ou superá-las. Foi uma sensação incrível cada passo.

Natalia – Em 2015 realizar o Caminho de Santiago para mim foi muito intenso, as lembranças do meu pai e o luto que não havia passado, aconteceu lá mesmo durante a caminhada. As sensações e a presença dele foram muito reais (até palpável para mim). Eu senti, ouvi e vi coisas que não pareciam reais, mas a intensidade de tudo aquilo foi mais do que necessária, foi como se eu estivesse realizando o sonho do meu pai, foi como se ele estivesse ali comigo em cada passo, foi pura emoção.

3 – Vocês conseguiram alcançar o objetivo proposto antes da viagem?

Marcio – Sim, em ambas às vezes. Principalmente porque o grande objetivo nem estava muito claro na primeira vez. Eu queria muito mais fugir do que resolver alguma coisa, só que o Caminho tem um jeito diferente de te explicar as coisas. Foi preciso eu entender os sinais que apareciam nos passos, no clima, nas pessoas que eu conhecia, para perceber que dependia de eu chegar aonde eu queria. Quando voltei ao Caminho, dois anos depois, os objetivos estavam muito mais bem traçados: chegar aonde eu queria era resultado de um Caminho bem trilhado. E, depois de 26 dias, estávamos lá, na frente da magnífica Catedral de Santiago de Compostela.

Natalia – Sim, as duas vezes que fiz o Caminho foi uma superação. E nas duas vezes os principais objetivos eram curtir a experiência da caminhada, viver intensamente cada momento, cada paisagem e desfrutar de toda magia que existe nesta caminhada de autoconhecimento e aprendizagem.

4 – Qual o sentido que isso trouxe à vossa paz mental, emocional, espiritual?

Marcio – Todo o sentido possível para mim. Um verdadeiro encontro comigo mesmo, percebendo pontos positivos (valorizando esses pontos fortemente) e identificando pontos de melhoria (fazendo a caminhada se tornar muito pesada em alguns momentos, até conseguirmos nos perdoar ou nos livrar daquele “peso” inútil que pode ser a culpa de algo do passado, a mágoa por algum acontecimento, a raiva de alguma situação, entre outras coisas que vamos levando na nossa “bagagem” no dia a dia e faz nossa “mochila” ficar insuportavelmente mais pesada). Deixando para trás esses “pesos”, a caminhada se torna muito mais agradável. Muita gente, porém, desiste quando bate de frente com seus problemas ou defeitos. É mais fácil fugir e “deixar a vida levar” (risos). Mas uma vez que você supera a si mesmo, torna-se melhor naquilo a que se propõe. E isso não tem preço!

Natalia – Fez todo sentido, quando se perde um pai, tudo se torna muito difícil, as decisões da vida parecem ter um peso muito maior. Para mim, não ter mais meu pai comigo, foi difícil e eu sentia esse peso das decisões da vida, parecia que a cada decisão que tomava, faltava a aprovação ou a opinião dele. Não conseguia me sentir segura.

Posso te dizer que o Caminho me curou, me sinto em paz e sei que ele está comigo em pensamento, sem pesos, sem culpas. Só gratidão por ter convivido com uma pessoa tão maravilhosa que me ensinou tanto da vida.

5 – É melhor fazer o caminho junto do companheiro ou separado? E por quê?

Marcio – São experiências diferentes. Mesmo quando fizemos juntos, em 2015, ficamos separados em algumas etapas no trajeto, pois cada um tem um ritmo diferente. Eu, por exemplo, consigo manter nas subidas o mesmo ritmo que tenho em linha reta. Se eu ando mais devagar na subida me canso mais, pois tenho que sair do que é normal para meu corpo. A Nat, por outro lado, na subida reduz a velocidade, mas em linha reta eu não consigo acompanhá-la por muito tempo, pois ela anda mais rápido que eu. Claro que é gostoso andar junto, ainda mais porque as paisagens são de tirar o fôlego e percorrer os pequenos vilarejos, extremamente remotos, no meio do nada, junto da pessoa amada, além de ser muito romântico, fortalece a união do casal.

Fazer o Caminho acompanhado é uma experiência fantástica que deveria ser obrigatória para todo casal que quer se conhecer mais e deseja se unir numa energia sem precedentes.

Nunca se faz o Caminho todo sozinho, pois se conhece muita gente interessante que está disposta a simplesmente caminhar. Ali não existem máscaras, não existem advogados, empresários, publicitários ou doutores, todos são Peregrinos rumo a Santiago.

Natalia – Eu amei fazer o Caminho com o Marcio, eu o escolhi para ser o meu marido e a companhia dele me faz muito bem. A liberdade que damos um ao outro é como se estivesse sozinho. Nos damos espaço e esse respeito entre o casal é necessário em todos os sentidos da vida.

Quando percebo que ele se afasta um pouco, sei que ele quer ficar sozinho e vice-versa. Sem estresse! Nos encontramos no próximo povoado.

Mesmo para quem faz o Caminho sozinho, nunca se está sozinho. Lá encontramos Peregrinos de toda parte do mundo, fazemos amizades puras e intensas, sem interesses e livre de preconceitos. Isso que é o Caminho!

6 – Porque decidiram voltar e fazer novamente o caminho, inclusive saindo de Portugal?

Marcio – O Caminho se tornou muito importante para mim. Lá nos encontramos com nossa melhor versão (e em alguns momentos com nossa pior também.). Escolher qual das duas versões você quer ser passa a ser uma decisão sua. Não é fácil, mas fica menos penoso quando você se conhece um pouco mais.

Existem mais de trezentos Caminhos de Santiago. Aliás, dizem que o Caminho começa na sua própria casa, quando se decide percorrê-lo . O Caminho mais famoso é o francês (este de 800 quilômetros que havíamos percorrido em 2015).

O Caminho Português é bastante diferente. Nesse trajeto saímos da cidade do Porto e andamos por 240 quilômetros até a cidade de Santiago. Além de a distância ser muito inferior, a diferença na altimetria também faz com que este Caminho seja um lindo “passeio” cheio de histórias maravilhosas, que se percorre em 10 a 12 dias.

Conhecemos nessa rota muitas pessoas interessantes e povoados que parecem ter sido esquecidos pelo tempo.

Natalia – Como fizemos o Caminho em 2015 e curtimos muito a viagem: o passeio; o aprendizado e toda a história do Caminho em abril deste ano resolvemos voltar, só que desta vez iniciando na cidade do Porto porque tínhamos menos tempo, o Caminho francês, como é mais longo, precisaríamos de uns 30 dias e o português é bem mais curto, conseguiríamos fazer em 11 dias. E foi a melhor decisão que poderíamos ter tomado, o Caminho português é simplesmente encantador, as paisagens são lindas com muitas flores e frutas pelo Caminho. Eu amei o Caminho português!!!

7 – Como sabem, nosso publico é mais sênior e desta forma, solicito que nos dê algumas dicas para quem pretende fazer o caminho de Santiago nesta faixa de idade.

Marcio – O Caminho é para todos. Na verdade existem muitas pessoas acima dos 50 anos percorrendo o Caminho de Santiago. O problema é que não temos isso enraizado em nossa criação aqui no Brasil, e aí as pessoas que estão se aposentando acabam não fazendo muitos planos. Mas organizando bem é possível fazer uma viagem que será inesquecível para um lugar que parece ter saído de um livro de histórias.

A melhor dica é: não deixe que outras pessoas lhe digam que você não vai conseguir, que já passou da idade, que o dinheiro não vai dar, que isso ou aquilo. Apenas se organize, elabore seu roteiro e tenha um Bom Caminho.

Dica extra: aproveite a deliciosa culinária espanhola, especialmente na região da Galícia. E em toda a Espanha, maravilhe-se com um vinho melhor do que o outro, todas as noites, em animadas conversas multiculturais, nos jantares dos albergues.

Natalia – Deveria ser regra pelo menos uma vez na vida todo mundo fazer o Caminho de Santiago! Não existe idade para isso! Vimos crianças, jovens, idosos. Pessoas de todas as idades fazem o Caminho.

Claro que a dica mais importante, independente da idade é: conheça os limites do seu corpo! Não existe uma regra de que se deve caminhar 30 km por dia ou mais. Isso é uma decisão individual, o Caminho francês e português (que são os que conhecemos) são super bem estruturados com albergues, pensões, restaurantes e cafés, basta ter um bom planejamento de viagem, conhecer bem a altimetria e se organizar que não há problema algum fazer o Caminho com calma.

8 – Qual o investimento médio necessário?

Marcio e Natalia – A média a se calcular é de $35 a $50 euros por dia, já incluindo o albergue e as refeições necessárias. Ter um dinheirinho extra no final, para compras, sempre faz parte.

9 – Onde buscar mais informações a respeito?

Marcio e Natalia – Desenvolvemos um blog chamado www.evoluindonocaminho.com.br que pretende ajudar aqueles peregrinos que ainda estão inseguros. Lá você pode encontrar dicas da melhor época para viajar, o que levar na mochila, qual o perfil altimétrico das etapas no Caminho e até uma sugestão (com mapas) de roteiro de viagem. Estamos atualizando o site, portanto em breve teremos novidades por lá.

Além disso, as associações de amigos do Caminho de Santiago, presentes em muitos estados, prestam um serviço muito legal de assessoria também.

10 – Existe algum clube, grupo, etc., que pode se engajar para fazer as atividades em conjunto?

Marcio e Natalia – Estamos começando a organizar isso. A ideia é que, em breve, teremos atividades em grupo para fazermos trilhas, reuniões e bate papos sobre Caminhos em geral. Acompanhe nosso site ou inscreva-se lá para receber mais informações.

11- Quais são os cuidados necessários de saúde? Existe alguma limitação de idade?

Marcio e Natalia – Como dissemos, o Caminho é para todos. A pessoa de mais idade que conhecemos fazendo o Caminho foi uma senhora com 86 anos. Então, a decisão de fazer o Caminho e conhecer paisagens e monumentos deslumbrantes tem muito mais a ver com a confiança em si mesmo do que com alguma limitação física ou por causa da idade.

Sobre os cuidados com a saúde, é extremamente importante fazer um check-up geral antes de embarcar. Converse com o seu cardiologista sobre a viagem que irá fazer. Cuidar do coração nunca é exagero.

Cuidar das pernas e hidratar-se muito bem também é fundamental.

Não se esqueça de levar protetor solar e repelente. Você vai precisar.

12 – Qual a parte do corpo que é mais exigida? Quais os riscos envolvidos?

Marcio e Natalia – Várias partes do nosso corpo são exigidas de um modo que você não está acostumado. Imagine andar quase 30 quilômetros todos os dias, com uma mochila nas costas e sem preparo adequado e saber que, no dia seguinte, você irá repetir a dose, pois é isso que acontece lá. Apesar de parecer difícil, rapidamente você se acostuma. Por isso, respeitando seus limites e aceitando os sinais que seu corpo irá te dar, não existem riscos. Mas se você decidir abusar pode ter bolhas nos pés, o que irá dificultar sua caminhada podendo ser a principal responsável por uma eventual tendinite na canela. Foi o que aconteceu com o Marcio em 2013.

13 – Quais são os passeios que recomenda para quem esta iniciando e quais para quem já tem experiência?

Marcio e Natalia – Para quem está começando, indicamos trilhas de níveis fácil e médio, como o Pico do Jaraguá, em São Paulo, por exemplo. Caminhadas ao ar livre são melhores que esteiras de academia.

No Brasil, você pode até mesmo fazer alguns caminhos preparatórios para o Caminho de Santiago, como o Caminho do Sol, que sai de Santana de Parnaíba e vai até águas de São Pedro, ou o Caminho da Fé, que sai de Águas da Prata e chega em Aparecida do Norte. Existe, no estado de São Paulo, um programa do governo chamado Trilhas de São Paulo, com 40 trilhas por todo o estado em que você pode conhecer um pouco mais desse universo. Outros estados também contam com caminhadas fantásticas.

15 – Quais os cuidados necessários de saúde e segurança?

Marcio e Natalia – Sobre a saúde, é importantíssimo que se consulte um cardiologista e realize um check-up geral. Sobre segurança, dificilmente irá acontecer algum imprevisto desagradável, como um roubo por exemplo. Mas furtos podem acontecer em qualquer parte do mundo, então não desgrude de seus documentos e dinheiro. Pode (e é até melhor) levar dinheiro em espécie, mas guarde-o num money-belt (aquelas bolsinhas que coloca-se dentro da calça, na altura da cintura). Na hora do banho, leve a bolsinha com você.

Faça duas ou três cópias das principais páginas do passaporte para em caso de roubo ou perda possa conseguir rapidamente um novo através do consulado;

Mantenha na mochila o endereço de seu destino ( em caso de perda, uma boa alma pode encaminhar para o próximo destino;

Segue o contato do Marcio Samia, caso queira conhecer mais sobre o Caminho de Santiago e outros assuntos relacionados a evolução pessoal.