Quando estava desenvolvendo o artigo sobre vida sustentável com a Daisy e a Rose, publicado no dia 22/08/2017 link : http://bit.ly/2w01fow  tive a curiosidade de conhecer mais sobre as pessoas que fazem a opção de viver em Ecovilas,  ao invés de viver de forma sustentável em suas próprias terras e compartilhando com a comunidade conhecimento, produtos, serviços, entretenimento, sementes, etc

Fiquei encantado com o relato da Daisy e da Rose sobre a comunidade Espiritual Find Horn (https://www.findhorn.org) , um exemplo de Ecovila que deu certo.

Findhorn é uma comunidade espiritual, Ecovila e um centro internacional de aprendizagem holística, que tem como visão revelar uma nova consciência humana. Atualmente vivem nas comunidades ao redor do núcleo original centenas de pessoas e milhares a visitam todos os anos. Incentiva o autoconhecimento através da escuta interior, relações pacíficas, integração com a natureza e sustentabilidade.

A comunidade existe desde 1962, está situada em uma baía de mesmo nome no norte da Escócia. Colabora para a criação de um futuro positivo e sustentável, colocando em prática os valores espirituais. Demonstrando novas formas sustentáveis de vida como comunidades de aprendizagem para a mudança pessoal e social. Cultivando uma ecovila na criação de uma cultura de paz. Entre outras atividades, está a produção de alimentos saudáveis, bioconstrução, turbinas eólicas, reciclagem, meditação e exploração de sistemas econômicos alternativos.

Tentei conversar com algumas Ecovilas no Brasil para entender um pouco mais desse mundo, mas as que contatei não se interessaram em mostrar o projeto ou têm visitas pagas pré-programadas  e/ou workshops.

Eu não acredito em acaso, mas que Deus vai colocando as pessoas no seu caminho e desta forma, através de um grande líder que tive ( agora um grande amigo, o mestre Carlos Bretos ), durante um almoço, todo orgulhoso me confidenciou que sua filha tinha um propósito de vida muito bonito, e que estava engajada numa Ecovila em Goiás e, foi assim que tive o prazer de conhecer a Ana Luisa Bretos.

Segue um artigo escrito por ela, para entender um pouco mais sobre esse mundo e tire suas próprias conclusões se pode ser uma opção de vida ou não para seu futuro.

Segue o relato da Ana Luisa Bretos.

Muitas vezes para mim é complicado responder à pergunta das pessoas de como vim parar no interior de Goiás, como decidi morar em uma Ecovila. Eu, uma menina nascida e crescida na maior metrópole da América do Sul (São Paulo), família que atualmente se “encaixa” na classe média alta, que na infância nunca teve uma relação próxima com o campo. Quando paro para pensar, só consigo acreditar no poder da intuição e de propósitos muito além daqueles que conseguimos planejar desde mais novos para nossa vida. Por isso é tão difícil começar a responder esses questionamentos.

Acredito que o principal marco que mudou minha forma de enxergar a vida e planos futuros foi quando entrei na faculdade.

Após me formar no ensino médio, não tinha a menor ideia do curso que queria fazer na faculdade e me sentia insegura e despreparada para tomar a primeira “decisão que mudaria a minha vida” (com 17 anos o fato de ter que escolher uma profissão é um peso nunca visto igual). Decidi então fazer um intercâmbio e não me preocupar com aquilo no momento. Acreditei que quando voltasse já estaria mais madura e preparada para esse momento.

Depois de 6 meses fora e mais 6 meses de cursinho, era o momento e eu ainda não me sentia preparada. Uns dias antes da Fuvest, fiquei lendo um livrinho sobre todos os cursos e profissões para escolher o que mais parecia me agradar e acabou que naquele ano prestei 6 faculdades diferentes e 6 cursos diferentes.

Para ser mais objetiva, passei na faculdade de Gestão Ambiental na USP  e decidi experimentar esse curso que nunca tinha ouvido falar. A mudança no meu jeito de enxergar e pensar as coisas foi acontecendo aos poucos, durante os 4 anos de formação.

Mas convivi com pessoas completamente diferentes das que tinha convivido a minha vida inteira, tive aulas e li artigos sobre assuntos que nunca tinha ouvido falar, aprendi a argumentar e ser mais crítica em relação às empresas, ao consumo, às políticas públicas, ao olhar as relações ao meu redor.

Com a faculdade, conheci a permacultura e passei a me envolver em cursos e vivências para conseguir entender formas de ser mais sustentável no ambiente em que se vive e com recursos locais. Aprendi muita, muita coisa. Voltava para casa e meu conforto e segurança tinham cada vez outras formas e características.

Comecei a me enxergar como uma agente de mudança, a ver o poder pessoal de cada um, a entender que cada ato no nosso dia a dia é um ato político. Que a coerência entre o que achamos certo, discursamos e realmente fazemos é essencial para uma caminhada com mais propósito e feliz.

Quando essa ficha caiu, já formada e trabalhando em ONGs (o meio ambiental está sempre conectado com o meio social), consegui ver que a principal razão das minhas crises existenciais era a incoerência da vida que levava. Morava em São Paulo, de uma forma que não estava conectada com os recursos (da onde vinha e para onde ia a água, lixo, energia) e com a vizinhança, andando de carro o dia todo e “pregando” a importância de uma vida crítica e sustentável.

Foi nesse momento que decidi deixar temporariamente aquela vida e meus amigos e familiares e conhecer um pouco das iniciativas permaculturais e sustentáveis existentes no Brasil, para conhecer o modo de vida atreladas a ela e aí sim poder fazer uma escolha baseada em experiências e não apenas teoria. Foi quase um ano viajando por vários estados e me voluntariando em diversas iniciativas. Momentos bons e difíceis. Viagens confortáveis e caronas bem arriscadas. Momentos de leveza e plenitude e momentos de saudades apertadas. Como qualquer escolha na vida.

Em um momento dessa viagem, vim parar no interior de Goiás, em Alto Paraíso. Lugar conhecido pelo exoterismo, mas frequentado por todos os tipos de pessoas.

Vim para o Instituto Biorregional do Cerrado (IBC) pretendendo  ficar 2 semanas e acabei ficando 2 meses como voluntária. Um projeto novo (na época com 3 anos de existência), com mais de 30 associados, mas 10 deles moradores. Apesar da simplicidade de todas as estruturas (“rooteza” em nossas palavras), a diversidade das pessoas que estavam nos recebendo me encantou (desde crianças até pessoas na faixa dos 60 anos).

Uma possibilidade infinita de estruturas para construir, com recursos financeiros escassos, quase nenhuma casa própria construída, muitos sonhos em mente. Diferente de muitas iniciativas que visitei (muitas vezes mais estruturadas), me senti fazendo parte do projeto.

Construir uma comunidade desde o “começo” não estava nas minhas expectativas. As dificuldades naquele momento me pareciam grandes desafios e depois de seguir viagem e conhecer mais alguns lugares, foi para cá que decidi voltar.

Estou há 2 anos aqui e muita coisa já aconteceu. Hoje sei que viver de forma sustentável não é tão fácil. Construir uma comunidade demanda muita energia e as pessoas que se juntam são muito diferentes entre si. Têm histórias de vida diferentes, sonhos e prioridades diferentes, reagem de forma diferente, têm gostos diferentes. Sei que parece óbvio, mas não é. E isso faz muita diferença na convivência diária (para mim, a parte mais difícil de se morar em uma comunidade).

 

Têm alguns que se dedicam mais tempo para a comunidade e áreas comunitárias (cuidado com as estruturas, cozinhando, construindo, plantando, escrevendo projetos) que outros. Isso pode acontecer por vários motivos: existem pessoas mais comunitárias que outras (as pessoas mais individualistas têm mais possibilidades e propensão a mudar vivendo em uma comunidade, mas nem sempre), existem pessoas que precisam trabalhar fora da comunidade para se sustentar, outras que têm esse recurso por outras vias (aluguéis, herança, etc) e outras já estão conseguindo se sustentar através de atividades na comunidade (o ideal é que com o tempo todos que queiram possam viver dessa forma, seja através de projetos e cursos ou plantando, cozinhando, produzindo artes, etc). O fato é que essa desigualdade de “energia gasta” de cada um pode gerar bastante conflito.

Para nos organizarmos e facilitar a convivência, seguimos princípios da sociocracia (para saber mais: http://www.sociocracia.org.br) e nos organizamos em círculos (administrativo, financeiro, agroecologia, projetos, comunicação, infraestrutura, entre outros), sendo que cada associado entra para o(s) círculo(s) que quiser.

Cada um dos círculos criam acordos e pensam nos próximos passos para seguirmos adiante. Em 2 anos vejo muitos avanços na comunidade através dessas tomadas de decisões, apesar de alguns acordos não serem exatamente cumpridos e por isso termos que repensar e gerar novos acordos através da experiência que tivemos.

Em algumas iniciativas e comunidades, as pessoas se juntam a partir de uma mesma religião ou liga filosófica e/ou espiritual, mas não todas. Aqui no IBC não temos nenhuma restrição em relação à religião, filosofia ou qualquer crença . Essa foi outra característica que eu gostei muito daqui desde o começo, mas isso é muito subjetivo. Pode ser que com uma mesma crença/religião a convivência possa facilitar mais, não sei. Mas gosto da diversidade.

Numa linha geral, as mais de 30 pessoas que moram aqui hoje (sem contar associados que não moram na terra) se alinham em um grande objetivo comum: se esforçar para fazer diferente do sistema que nascemos e vivemos por grande parte das nossas vidas (quase todos vêm de grandes centros urbanos).

Diferente em relação à consciência do nosso impacto; dos recursos naturais (temos um poço artesiano dentro da terra que fornece água para todos, todas as águas de pias, chuveiros e privadas passam por um tratamento natural, procuramos gerar o mínimo de consumo e consequentemente lixo possível, construímos todas as estruturas e casas com técnicas da Bioconstrução a partir da terra, barro, palha locais); dos alimentos que consumimos (estamos buscando ser sustentáveis nessa parte também apesar das dificuldades); das relações humanas (temos estruturas comunitárias para todos se reunirem, compras coletivas e refeições comunitárias, mutirão com todos os associados uma vez por semana, técnicas e ferramentas sociais para cuidar das relações entre todos); e das relações financeiras (acabamos de criar uma moeda social para circular dentro da comunidade através de produtos e serviços, com o intuito de expandir para outros lugares na cidade).

Por isso vejo que temos em comum principalmente a força de vontade e coragem para sermos a mudança que queremos ver no mundo. Nos esforçamos para quebrar ciclos viciosos e vivermos com mais consciência e em harmonia com tudo ao nosso redor.

Biografia de Ana Luisa Bretos

27 anos, nascida em São Paulo, formada em Gestão Ambiental pela USP. Atualmente mora em Alto Paraíso de Goiás cocriando   a EcoAldeia Aratikum e responsável pela área de Gestão de Projetos do Instituto Biorregional do Cerrado. Amante da natureza e da permacultura, busca a simplicidade e sustentabilidade no modo de viver.

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