Tive o prazer de conhecer o Mauricio quando trabalhei na HP muitos anos atrás. Ele atuou como Mentor no projeto  da HP de Mentoring Social, onde coordenava este projeto social para jovens de classes socioeconômicas menos favorecidas em algumas comunidades carentes em São Paulo.

O Mauricio sempre foi uma pessoa além de nossos tempos.  Acompanho sua evolução espiritual pelas redes sociais e desta forma solicitei um artigo dele para abrir o ano de 2018, momento mais que especial onde muitas pessoas estão fazendo seus planos de vida.

 

Seguem as respostas para algumas perguntas formuladas por mim.

Meu nome é Mauricio Ghigoneto e tenho 47 anos. Sou Monge Budista a 5 anos mas sou budista a mais de 30 anos.  Meu nome religioso é Shaku Hondaku (Compromisso Verdadeiro).

Sou monge budista ordenado no Japão pela ordem budista Shinshu Otani, uma ordem bem tradicional e tenho uma vida que eu costumo dizer “mundana” (risos) pois já há muitos anos sou executivo de empresas multinacionais, trabalhando como Diretor de vendas de consultoria de tecnologia.  Na verdade, nem sei se sou monge nas horas vagas ou sou executivo nas horas vagas. – Isso se confunde diversas vezes, mas eu tento conciliar essa vida da melhor forma possível.

Desde criança me interesso por assuntos espirituais, embora não tenha vindo de uma família religiosa, mas sempre gostei de mistérios, ocultismo, transcendente, isso sempre me fascinou.  Após um período onde participei de uma comunidade de jovens católica, comecei através da compra de um livro, a estudar o budismo que veio a culminar com a minha ordenação no Japão 30 anos depois.

Creio que uma das coisas que me alterou bastante depois que comecei a estudar o budismo e mais ainda depois que me ordenei, que fiquei trabalhando mais focado nas atividades, é a maneira que vejo as pessoas agirem. Algumas coisas nestes estudos fala da fonte do sofrimento a qual damos o nome de 3 venenos mentais: Ganância, ira e ignorância

Uma das coisas que acho fascinante é você entrar no mundo corporativo e olhar como as pessoas agem movidas por estes 3 venenos mentais. Isso me deu uma capacidade interessantíssima de sempre dar um passo atrás e olhar para uma sala de reunião, num grupo ou mesmo num interlocutor meu e conseguir identificar estes venenos, agindo na fala, na maneira de se expressar, nas atitudes. Algo incrível de se experimentar.

Se tornar um monge budista não quer dizer que você vai se tornar um santo, de maneira nenhuma, o caminho é longo e a dinâmica é complexa. Temos muito que aprender, muito que praticar. Mas é uma coisa gradual, um programa gradual, um estudo gradual. Também temos que tomar cuidado para não cair no que chamamos de materialismo espiritual. “só porque você é monge tem que ter uma certa atitude. Só porque é monge se julga acima dos outros”. Isso é uma atitude errada.

Eu quando tento usar as coisas que estão dentro do meu alcance no mundo corporativo eu tento usar os meus valores, nas minhas atitudes e não qualquer tipo de ação de conversão das pessoas ou algo assim

Toda essa fase de estudos me gerou uma compreensão maior da igualdade dos seres humanos e tenho trabalhado muito com isso nos últimos anos: diversidade e integração multi-cultural .  Dentro do ambiente corporativo eu participo de  muitos programas de inter religiosidade, empoderamento das mulheres, defendo a causa LGBT. Passamos a ver o mundo como uma rede mais positiva, tentar fazer dele uma rede com menos ódio, menos raiva, menos ignorância e ser muito mais integralista nessa visão.

O que você sente quando pratica o Budismo?

O foco do Budismo é você sempre prestar atenção. A sabedoria vem justamente de você estar atento a tudo e a todos e isto faz com que você passe a observar a vida, compreender as pessoas e com isso desenvolver a compaixão.

O ser humano é egoísta por natureza. Isso é ignorância ou ganância?

Muitas das nossas atitudes são originadas pelos 3 venenos citados acima (a Ganância, a ira e a ignorância). Uma coisa é ser egóico, ser egocêntrico e outra coisa é se se apegar a este conceito.

Egocêntrico ou egóico vamos ser de uma maneira ou outra, até por um instinto de sobrevivência, mas o problema é você se se apegar a esta idéia que você está desconectado do mundo. A nossa arrogância natural acha que somos seres independentes, que somos seres totalmente desconectados uns dos outros, desconectados da natureza, desconectados das outras pessoas e as nossas atitudes não afetam os outros e não influenciam os outros. Essa visão  é um grande erro!  Então quando você tem uma atitude egóica,  aquela atitude onde você se centra, você está se colocando como centro do mundo e o mundo precisa girar em volta de você.

Vemos isso a todo momento no mundo corporativo, você vê executivos cada vez mais se direcionando por isso com suas próprias agendas, com suas próprias metas, ignorando muitas das vezes a ética, ignorando muitas vezes seus pares em busca de um resultado próprio.  Isso termina cascateando para toda a equipe, então como ele acha que não influencia ninguém isso acaba influenciando negativamente os níveis mais baixos, onde um cara lá que é um analista, um estagiário, olha para cima e vê aquela atitude do cara e pensa: “poxa um dia eu quero estar aonde este cara está, então preciso ser igual a esse cara”, e ai você acha que isso é o melhor meio que você tem para se tornar alguém na vida. Ledo engano pois já foi provado muitas vezes que o ambiente positivo de trabalho é o ambiente mais produtivo que existe.

Isso pode até gerar resultados a curto prazo, mas a longo prazo isso não se sustenta. Temos a dupla Bill e David (fundadores da empresa HP ) que não deixa a gente mentir. Eles falavam que o lucro vai ser uma consequência direta, dê as ferramentas corretas, dê um bom ambiente de trabalho, deixe seus funcionários felizes e o lucro vai ser uma consequência direta –  mas sim a gente termina agindo por egocentrismo e era isso que o Buda sempre combateu e ele sempre dizia que nós fazemos parte desta rede dessa conectividade toda. E infelizmente, a empresa que eles criaram começou a se desmantelar justamente quando essas visões foram banidas. Eu estava lá.

As pessoas já nascem mal, se tornam mal ou o meio tornam elas mal?   isso tem cura?

Essa questão nós precisamos delimitar. É mal de maldade ou instintos maldosos ou mal pela total incapacidade de fazer coisas boas 100 % do tempo? É uma questão um pouco semântica, mas é bem importante ser discutida. Eu deixaria para a psicologia responder se as pessoas nascem mal ou se tornam mal ou o meio faz com que isso ocorra. Eu não saberia dizer no ponto de vista psicológico ou sociológico como que isso se dá, mas do ponto de vista doutrinário do budismo o que nós vemos é o seguinte: somos o resultado das nossas próprias ações.

Se estamos vivendo o que estamos vivendo no presente é o resultado de coisas e das escolhas que fizemos no passado. Escolhas boas ou teoricamente boas vão gerar resultados bons e escolhas ruins teoricamente vão gerar consequências ruins.

Só que no Budismo entramos numa esfera um pouco transcendental, a gente acredita que houveram outras vidas, então nós carregamos para esta vida agora resultados e ações que fizemos no passado. Percebemos isso quando às vezes nos questionamos porque isso está acontecendo comigo – não faço idéia – bom, não faz idéia nesta vida mas em outra vida pode ter sido diferente – mas não adianta nós discutirmos o que aconteceu noutra vida … isso é bobagem porque embora nós acreditemos nessa hipótese, isso não muda o presente. Nós vivemos o presente de acordo com o que já foi delimitado pelo nosso passado. Não dá para mudar mais o presente. O que a gente pode mudar são nossas atitudes agora, hoje,  para que o futuro seja melhor e a não tenhamos um presente igual a esse num futuro próximo.

No nosso ponto de vista quando uma pessoa diz que ela é boa precisamos tomar muito cuidado.  Porque quando que você fala que você é bom você pode estar carregando toda uma bagagem egocêntrica se colocando numa posição até superior a dos outros e quando você comete um deslize, qualquer que seja, que não seja uma atitude classificada como boa,  você despenca desse pedestal de bondade e arruina toda essa visão que tem de si. A medida que você diz eu não sou um cara bom porque sou um cara imperfeito, sou um cara cheio de defeitos, então você se classificaria como mau, mas mau com u e não com M A L, qualquer coisa boa que você faz, você está progredindo, você está progredindo como ser humano.

Mesmo que você cometa algum deslize, tudo bem, porque você está partindo desse pressuposto que você não é o melhor cara do mundo, isso aconteceu com o próprio BUDA e alguns outros ícones da história.  Enquanto o Buda permaneceu 5 anos na floresta, achando que estava fazendo práticas extremamente pesadas, praticas onde ele tinha que ser muito diligente, disciplinado … ele nunca conseguiu nada. Foi só quando ele se declarou totalmente incompetente de fazer essas práticas foi então que ele conseguiu atingir a iluminação.

Quando ele estava carregado com todo um egocentrismo, um apego ao ego, ele não conseguiu sair do lugar, foi justamente a hora que ele se declarou MAU é que ele fala … agora eu vou e em 49 dias ele resolveu o problema dele.

Que tipo de paz o Budismo traz?

Esse é um erro que as pessoas tem do Budismo, porque muitas vezes vemos um monge ou uma monja midiática aparecendo na televisão, com aquela voz de bicho preguiça letárgico e a gente acha que todo budista tem que ser daquele jeito, falar com aquela voz recolhida, embargada; isto é uma bobagem um estereótipo, porque na verdade o budista ele te dá um espelho para ver quem você é e as vezes você não vai gostar do que você está vendo.

Quando as pessoas falam que procuram o budismo para encontrar paz, eu falo:  “Filho você está no lugar errado. Porque o que vai menos encontrar aqui é paz. Porque não tem como você encontrar paz sem antes você guerrear com você mesmo e é uma guerra constante dentro de você, então essa guerra entre quem você realmente é, versus aquilo que você parece ser e é o que a gente busca eliminar, demora muitos anos, demora muito tempo, para você vencer esta batalha, se você vencer.”

Então não é porque você faz meditação 5 ou 50 minutos por dia que você vai falar com a voz de um bicho preguiça e vai ter uma atitude super positiva pro resto de sua vida. Isso é balela, isso daí  é o que a mídia vende e isso é uma tremenda de uma bobagem, porque você vai encontrar muitos obstáculos, você vai encontrar muitos demônios na sua frente antes de você encontrar essa tal paz, se é que ela existe mesmo. O que você vai encontrar são ferramentas para você olhar para o mundo sobre uma ótica diferente. Mas isso não quer dizer que você vai encontrar a paz em você.

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